Antes de mais nada, antecipo que Guerra de Tronos é sobre personagens, acima de todo o resto. Há um fiapo de trama que beira o lugar-comum, e já é compreendida quase por completo nas primeiras páginas, e o resto se limita a girar sobre isso e extrair o máximo possível, as últimas gotas do bagaço da laranja. Para quem gosta de telenovelas, não incomodará o constante mais do mesmo, apenas para desenvolver os personagens. Para mim, incomodou – e muito.
A descrição é boa, dá para sentir o frio e a noite que acometem os personagens em certas passagens, mas a narrativa é confusa em outras partes, sobretudo pelo modo de colocar vários personagens sem apresentá-los, nomes se sobrepondo sem que o leitor tenha uma imagem formada de cada um deles – aliás, não foi o primeiro ianque que vi fazendo isso. Teve gente que, ainda no fim do livro, eu não tinha uma imagem mental, e não passava de um nome estranho.
Algumas cenas e flashbacks se prolongam de forma cansativa, mas a escrita flui legal. Por vezes, são longos capítulos de fatos corriqueiros e acontecimentos mínimos, que não contribuem para nada – nem para aprofundar os personagens, para que surja uma ou outra questão relevante. O que piora é o excesso de personagens infanto-juvenis. Suas questões vivem no lugar-comum: a pobre menina rica, a garota que não quer ser submissa, chegando ao absurdo de trazer um capítulo inteiro sobre um menino gordo que é perseguido na Muralha para ser protegido e integrado no grupo, estilo filme adolescente americano.
A impressão é que o desejo do autor era criar um livro enorme cheio de personagens, e se percebe aí que ele veio das séries de TV. O lance é criar muitos núcleos e fazê-los aparecer, como se fosse obrigação. A sensação é de que o livro poderia caber em 200 páginas. Tantas irrelevâncias sendo abordadas minuciosamente enquanto personagens interessantes como Jaime e Daenerys pouco aparecem. A imersão de Ned na corte se limita à sua chateação pelas intrigas e uma ou outra pitada de investigação que não costuma resultar em muito.
O que salva é a escrita fluida, mesmo em passagens desinteressantes. Só não entendi o porquê de nomear cada capítulo como um personagem, como se fosse o seu ponto de vista, quando na verdade é narrado em terceira pessoa por seus olhos, e uma ou outra impressão ou pensamento do personagem são mostrados.
O livro ganha nova vida após o acontecimento que todos já sabíamos que veríamos antes da página 50, mas só veio acontecer após a 300. Há belas cenas de batalhas. Tywin Lannister realmente se mostrou um bom estrategista, e Jaime prova que vilões valentes tornam um livro melhor. Mas as melhores partes, contudo, são as de Daenerys. Elas, aliás, formaram uma novela que ganhou o prêmio Hugo em 1997, e até podiam ser um livro em separado aqui também.
A impressão final é de um livro bem trabalhado. Recria em cima de mitos e culturas medievais, tanto europeias como a sombra mongol de Genghis Khan que deve ter pairado nos reinos cristãos. Trabalha legal aspectos como religiosidade e um ou outro costume, embora a maioria seja como no nosso mundo. Ainda que se venda como um livro de personagens impressionantes, isso não é verdade. Não justifica muito o título – seja Guerra dos Tronos, no Brasil, ou Um Jogo de Tronos, nos EUA. As jogadas já foram todas feitas previamente, e aquele que podia reverter o quadro é um tolo, fraco e entediante protagonista.