Resenha de A Guerra dos Tronos

Antes de mais nada, antecipo que Guerra de Tronos é sobre personagens, acima de todo o resto. Há um fiapo de trama que beira o lugar-comum, e já é compreendida quase por completo nas primeiras páginas, e o resto se limita a girar sobre isso e extrair o máximo possível, as últimas gotas do bagaço da laranja. Para quem gosta de telenovelas, não incomodará o constante mais do mesmo, apenas para desenvolver os personagens. Para mim, incomodou – e muito.

A descrição é boa, dá para sentir o frio e a noite que acometem os personagens em certas passagens, mas a narrativa é confusa em outras partes, sobretudo pelo modo de colocar vários personagens sem apresentá-los, nomes se sobrepondo sem que o leitor tenha uma imagem formada de cada um deles – aliás, não foi o primeiro ianque que vi fazendo isso. Teve gente que, ainda no fim do livro, eu não tinha uma imagem mental, e não passava de um nome estranho.

Game of thrones HBO
Algumas cenas e flashbacks se prolongam de forma cansativa, mas a escrita flui legal. Por vezes, são longos capítulos de fatos corriqueiros e acontecimentos mínimos, que não contribuem para nada – nem para aprofundar os personagens, para que surja uma ou outra questão relevante. O que piora é o excesso de personagens infanto-juvenis. Suas questões vivem no lugar-comum: a pobre menina rica, a garota que não quer ser submissa, chegando ao absurdo de trazer um capítulo inteiro sobre um menino gordo que é perseguido na Muralha para ser protegido e integrado no grupo, estilo filme adolescente americano.

Jon Snow e Fantasma

A impressão é que o desejo do autor era criar um livro enorme cheio de personagens, e se percebe aí que ele veio das séries de TV. O lance é criar muitos núcleos e fazê-los aparecer, como se fosse obrigação. A sensação é de que o livro poderia caber em 200 páginas. Tantas irrelevâncias sendo abordadas minuciosamente enquanto personagens interessantes como Jaime e Daenerys pouco aparecem. A imersão de Ned na corte se limita à sua chateação pelas intrigas e uma ou outra pitada de investigação que não costuma resultar em muito.

 

George R.R MartinO que salva é a escrita fluida, mesmo em passagens desinteressantes. Só não entendi o porquê de nomear cada capítulo como um personagem, como se fosse o seu ponto de vista, quando na verdade é narrado em terceira pessoa por seus olhos, e uma ou outra impressão ou pensamento do personagem são mostrados.

O livro ganha nova vida após o acontecimento que todos já sabíamos que veríamos antes da página 50, mas só veio acontecer após a 300. Há belas cenas de batalhas. Tywin Lannister realmente se mostrou um bom estrategista, e Jaime prova que vilões valentes tornam um livro melhor. Mas as melhores partes, contudo, são as de Daenerys. Elas, aliás, formaram uma novela que ganhou o prêmio Hugo em 1997, e até podiam ser um livro em separado aqui também.

A impressão final é de um livro bem trabalhado. Recria em cima de mitos e culturas medievais, tanto europeias como a sombra mongol de Genghis Khan que deve ter pairado nos reinos cristãos. Trabalha legal aspectos como religiosidade e um ou outro costume, embora a maioria seja como no nosso mundo. Ainda que se venda como um livro de personagens impressionantes, isso não é verdade. Não justifica muito o título – seja Guerra dos Tronos, no Brasil, ou Um Jogo de Tronos, nos EUA. As jogadas já foram todas feitas previamente, e aquele que podia reverter o quadro é um tolo, fraco e entediante protagonista.

8 respostas para “Resenha de A Guerra dos Tronos”

  1. Concordo com algumas coisas, descordo de outras. Mas não consegui ter certeza de quem está chamando de “aquele que podia reverter o quadro é um tolo, fraco e entediante protagonista”.

  2. Logo se vê que não entendeste sobre o que trata a trama.

    Por esse post estou cancelando a minha inscrição no rss do blog… tsc tsc

  3. Lucas, falei do Ned. Na série, ele foi brilhantemente interpretado pelo Sean Bean, mas no livro ele é muito tolo, tanto que não toma nenhuma atitude produtiva na corte, cai do cavalo e machuca a perna quando confrontado pelos homens de Jaime, e ainda é enredado por Cersei e Mindinho.

    Vitto, o Helio me avisou realmente que a resenha seria polêmica. Eu, na verdade, entendi bem a trama desde as primeiras páginas. Só a achei fraca. Sem contar que ela tem um erro grotesco de verossimilhança ao tentar introduzir uma conclusão de quem conhece um básico de genética, mas numa época medieval. E mesmo introduzindo genética, as conclusões de Ned são furadas. Ainda que Robert tivesse 1 milhão de filhos, e todos eles fossem parecidos com o pai, e de cabelos negros, nada impediria que então surgisse uma criança loira. A aparência de seus filhos com Cersei não prova absolutamente nada.
    E isso a gente observa até no dia a dia. Minhas duas irmãs são parecidíssimas, mas uma morena e outra branca. Minha mulher é bem morena, a irmã dela é loira dos olhos verdes, tem um irmão que é praticamente preto, e o outro nasceu loiro. Todos do mesmo pai e mesma mãe.
    Só concluindo que o fato de eu não gostar do livro não significa que ele seja ruim. É melhor escrito do que quase tudo que há em fantasia, só tem alguns defeitos que saltam aos olhos, e por isso prejudicam a avaliação final.
    O anticlímax que Martin cria com o cliffhanger após a traição do Mindinho, por exemplo, quase me fez abandonar o livro. Ao invés de prosseguir, passa mais de cem páginas nos pontos de vista de outros personagens divagando questões menores.
    Mas o livro é um sucesso desde sua publicação, e ele tem muitos méritos – que foram, aliás, destacados na resenha.

  4. Há!
    (Momento rindo de coisas nerds)

    Putz!
    Desde o começo não curti muito o negócio “melhor que Tolkien”.
    para começar, não sou leitor do cara, mas fã dos filmes que Jackson fez.
    Um cara que é considerado melhor que o finado criador da Terra Média deveria ser um escritor fodástico, certo?
    Até aprecio o que ele está fazendo com a fantasia, que é um passo bom, mas, sinceramente, a trama gfira em torno de coisas simples e RPGescas (cara, odeio literatura deste tipo).
    Sou um fantasista que não quero ser o melhor, mas o mais esquisitranho possível, não tendo medo de misturar e testar.
    Mas, quanto a resenha, gostei, sobretudo por não revelar muito sobre a trama.
    Eric, você está de parabéns.
    Aliás, não devemos gostar de tudo o que é moda…

    Abraços.

  5. Eric

    Eu li o livro e estou lendo o segundo. No início pro meio do livro Ned é sim o protagonista e realmente esperava mais dele, alguma atitude enérgica e forte. Não teve, mas depois do meio do livro se percebe que Ned, Robert e sua geração é uma iniciação a história que apresenta novos protagonistas. E sem querer fazer spoiler atualmente pra min os que chamam mais a trama para si são Arya e Tyrion.

    E uma crítica pessoal do livro, fazia muito tempo que eu não lia um livro tão intrigante. Como raros livros ele realmente faz você rir, ficar agoniado, ficar triste por um personagem, se surpreender com outros, ancioso para saber o que irá ocorrer. As mudanças de comportamento dos personagens trazem um ar de realismo enorme ( quem é bom/mal o tempo inteiro, como em vários livros) a história e faz com que personagens que você não gostava antes passe a gostar ou vice e versa. Gosto muito do livro.

    Diz ai Eric, quais livros você achou melhor que GoT?

    Abraço

  6. Olá, Lucas!

    Tyrion realmente é impressionante, e no segundo livro, após a Daenerys perder todo aquele poder de surpreender o leitor, e começar a se tornar maçante, o anão rouba a cena. Provavelmente, o melhor personagem do Martin.
    Já da Arya eu não gostei muito, sobretudo por suas passagens longas e cansativas de A Fúria dos Reis.
    O Jon, eu achei mais promissor, mas um problema (que também vi em Bran e nas passagens do Ned na corte) é que o autor se delonga muito para que aconteçam os fatos importantes. Quando a coisa esquentou para o Jon na Muralha, eu já estava me entendiando só de ver o seu nome no cabeçalho de um capítulo. Mas que melhorou após a aparição dos Outros, isso, sim, melhorou!

    Quanto à sua pergunta, eu posso citar vários livros que achei melhores que GoT. Dezenas de romances históricos de autores de todo o globo, uma vez que ele faz uma fantasia sutil que flerta muito mais com o realismo. Contudo, já que Crônicas de Gelo e Fogo é litfan, acho justo comparar com litfan.
    Eu acho, por exemplo, O Senhor dos Anéis e As Brumas de Avalon melhores que Crônicas de Gelo e Fogo, e não sou fã de nenhuma das duas séries. Ambas têm problemas de ritmo comuns em litfan (eu mesmo já fui criticado por isso), mas os de SdA se limitam ao primeiro livro, enquanto que os de Brumas se dão no último. Já Guerra dos Tronos e Fúria dos Reis trazem essas oscilações de ritmo o tempo todo, cheios de questões menores e irrelevantes. Teve hora que cansei de provar vinhos e pratos com o Bran, por exemplo.
    Mas com certeza os contos de Robert Ervin Howard, de Conan (que, aliás, são de 1932 e antecederam O Hobbit) superam, e muito, Guerra dos Tronos como litfan. Cheios de ritmo, de filosofia nas entrelinhas, de vigor e de senso de lógica e conclusão.
    E, se não for se prender apenas em fantasia, mas considerar também ficção científica, Frank Herbert (Duna), Isaac Asimov e Philip K. Dick (Minority Report, dentre outros) superam, e muito, Crônicas de Gelo e Fogo.

  7. SPOILER Parabéns ao autor pela postura frente às críticas contrárias, Hoje muitos blogs não se dão ao trabalho de responder comentários e estão sempre na defensiva, sem argumentar. Tenho uma opinião diferente do autor, pois acho a série muito boa e o primeiro livro intrigante. Os personagens são muitos, concordo que no final do livro não sabia quem eram alguns, que nunca haviam sido mencionados. O lugar comum que vc se refere é a história de reinos, vassalos e guerras? O livro aborda este tema de uma visão como nunca havia sido abordado, com personagens bem detalhados e sem o tradicional vilão e herói. Os acontecimentos são surpreendentes, em sua maioria! Até o final, tudo pode acontecer e a história nos deixa com raiva, sentimento de injustiça, alívio, torço por alguns perspnagens se darem bem! Quando todos pensam que o Ned é o protagonista da série, ela dá uma reviravolta completa.. E até o final umas outras duas! Enfim, acho que a história, livros e série serão um sucesso, e caso não tenha um ” final lost” irá ter milhares de fãs.. A adaptação para a tv foi boa, mas algumas coisas que se passaram não li no livro..Como a cena de lorde Renly com outro homem? A parte do mindinho no bordel conversando com as prostitutas..? É do segundo livro?
    Abraço

  8. Olá, Albany!

    Fazia tempo que não passava por aqui, e só hoje vi seu comentário.

    O lugar-comum a que me refiro não é a questão da vassalagem, do feudalismo e tudo o mais, pois como você diz, Martin não tenta imitar Tolkien e traz a Idade Média de outra maneira. Vejo lugar-comum na Sansa sonhando com príncipe, no Jon na Muralha parece que está no colegial nos EUA (com direito a uma passagem em que ajuda um gordinho que sofre bullying a se integrar). Essas irrelevâncias que frearam a leitura.

    Eu soube, antes de ler, que Bran teria contato com magia, isso por uma entrevista do autor. Sabe, era frustrante ler vários capítulos dele após sua tragédia e notar que não acontece praticamente nada. Ele prova vinhos, come até não poder mais, sofre preconceito e… nada.

    Sobre o Tyrion conversando no bordel, não me lembro direito de onde é a cena. É provável que seja em A Fúria dos Reis, pois isso é frequente nesse livro.

    Como eu disse nos comentários, a escrita de Martin é melhor do que quase tudo que existe em fantasia. Seu problema não está na escrita, ou na profundidade dos personagens. Está em, forçadamente, tentar escrever uma série o mais longa possível. Podia contar Guerra dos Tronos em 300 páginas, ao invés de quase 700.
    E há uma falha grave de coerência no enredo, como disse na resenha, sobre as conclusões do Ned numa genética absolutamente furada.

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