Sinopse (por Conrad): Pela primeira vez no Brasil, as histórias originais de Conan, de Robert E. Howard, serão publicadas integralmente e na ordem em que foram redigidas pelo autor.
As primeiras histórias de Conan, foram publicadas pela revista Weird Tales, em 1930, nos Estados Unidos. Mas, muito da obra de Robert E. Howard foi adaptado, ou até reescrito, por outros autores – nem sempre tão talentosos quanto Howard.
Agora, os fãs de Conan podem conhecer a verdadeira história do personagem, imortalizado no cinema por Arnold Schwarzenegger.
Conan O Cimério traz as histórias originais e materiais exclusivos, entre eles a primeira história de Conan, The Phoenix on the Sword (A Fênix da Espada) que nunca foi publicada – foi rejeitada pelos editores da Weird Tales.
O livro ainda tem ensaios de Howard sobre o mundo de Conan, como ´´A Era Hiboriana´´ e ´´Lugares e Nomes Hiborianos´´; rascunhos e contos inacabados; dois mapas do mundo de Conan, desenhados pelo próprio autor, e ilustrações originais do premiado artista Mark Schultz.
De todos os grandes personagens que habitam as páginas de Howard, Conan, o Cimério, é o herói dos heróis: um gigantesco aventureiro bárbaro, nascido nas inóspitas terras do norte da Ciméria. Lutando, ele percorreu metade do mundo de seu tempo, enfrentando inimigos naturais e sobrenaturais, até tornar-se rei do império de Aquilônia.
Confesso que durante boa parte da minha vida torci o nariz para Conan. Conheço muitas pessoas que são fãs do cimério, entre elas minha mãe e meu padrasto, mas não sentia a mínima vontade de ler os gibis da Marvel. Talvez um preconceito gerado pela imagem que ficou do bárbaro: um gigante musculoso e monossilábico, como foi imortalizado no cinema por Schwarzenegger.
Aos poucos, fui tendo contato com a Era Hiboriana, e a cada nova imersão, uma nova impressão era formada. Não demorou para ficar claro que Conan não era só o pioneirismo na literatura fantástica; a Era Hiboriana era simplesmente um dos mais complexos, incríveis e coerentes mundos já criados. A política e as pitadas de decadência que costumam faltar em obras de fantasia têm muita força no universo criado por Robert Ervin Howard, e sem perder espaço ou força para feiticeiros, bestas mitológicas e aventuras cheias de ação e reviravoltas.
E Conan… ah, Conan! Um personagem bem definido, articulado, profundo, complexo, teimoso, impulsivo e ao mesmo tempo temeroso de feitiçaria. A Marvel se desviou um pouco do original, e os filmes se desviaram muito. A fantasia que há nas noveletas originais de Howard, escritas entre 1932 e 1936 (ano de seu suicídio), é completa em todos os sentidos, e sua narrativa é vigorosa. Além disso, ele influenciou autores que viriam mais tarde, alguns assumidamente (como Michael Moorcock e seu Elric de Melniboné), outros nem tanto (em 1932, Thoth-Amon não fazia ideia de quanto tempo ficou curvado sobre seu anel do poder, absorvendo sua essência, como um certo hobbit alguns anos mais tarde…).
Para a minha sorte (e a de todos os brasileiros), a Conrad resolveu publicar na última década dois volumes contendo as noveletas, publicadas originalmente em pulps, na ordem em que foram escritas, além de ensaios do autor e sobre o autor. Como são dois livros, falarei de ambos separadamente.
Conan, o Cimério, vol. 1:
As estórias apresentadas nesse volume estão entre as melhores já escritas sobre Conan e, sem exagero, entre todas as existentes de fantasia. O livro abre com o poema “Ciméria”, que define muito sobre Conan, sua terra e os motivos de sua vida desregrada. Passamos por várias fases da vida do cimério: ele mais velho como rei, como mercenário, ladrão, pirata… E sua personalidade é profundamente explorada, com um destaque especial para seu diálogo com Bêlit em “A Rainha da Costa Negra”, no qual sua filosofia de vida é dissecada: “Se os homens encontram prazer, é apenas no fulgurante desatino da batalha. (…) Que os sábios se questionem sobre o que é real e o que é ilusão. Se sou uma ilusão, ela é real para mim. Eu vivo, eu estou cheio de vida, eu amo, eu mato, eu sou feliz assim.”
Todos os contos trazem narrativas com boas surpresas e cheias de ritmo, com elementos clássicos da fantasia épica.
Dos materiais extras do volume, de longe o ensaio “A Era Hiboriana” é a mais grata surpresa. Um texto ao longo de milhares de anos que Howard escreveu para não se perder enquanto criava seus contos, o pano de fundo histórico do cenário. Ele vai desde o cataclismo da Atlântida até o fim do tempo de Conan, quando então se dá a aurora das civilizações do mundo real.
As ilustrações também são um ponto a parte. Um trabalho magnífico de Mark Schultz, que, como todo o resto, tem o ápice neste volume.
Conan, o Cimério, vol. 2:
Após o brilhantismo das estórias narradas no volume anterior, a expectativa criada foi enorme, porém há uma certa irregularidade. O livro abre com o retumbante “A Cidadela Escarlate”, uma narrativa que é a cara do Conan Rei – o Rei é traído numa batalha e capturado, e precisa escapar e salvar a Aquilônia -, tanto que foi retomada e ampliada no único romance escrito por Howard, “A Hora do Dragão”.
Contudo, em boa parte das noveletas deste livro se vê uma fase mais comercial da escrita de Howard. Ele mesmo dizia, como se observa no primeiro volume, que seus trabalhos eram aceitos sem ressalva pela Weird Tales (a pulp que publicava Conan) se o conto fosse simples de tal modo que o protagonista vencia o vilão e possuía a donzela.
Mas mesmo o trabalho mediano de Howard é superior a muito do que há na fantasia: permanece a personalidade forte de Conan, ainda há as tramóias e reviravoltas, a escrita é fluente e intensa, e os desfechos ainda são capazes de surpreender.
A superioridade do primeiro livro também fica por conta dos extras: enquanto aquele trazia textos de Howard sobre povos da Era Hiboriana, o ensaio homônimo que explicava tudo sobre ela, e outros textos sobre Howard, o volume 2 mostra roteiros, fragmentos e contos inacabados, que não vieram a ser publicados. Algo que só virá a ser valioso para o mais apaixonado fã.
A arte de Mark Schultz mantém sua qualidade, contudo, talvez pelos acontecimentos dos contos do livro anterior serem mais memoráveis, não é neste que ele atinge o auge de seu brilhantismo.
Pelo que parece, os dois volumes não fizeram muito sucesso no Brasil. Talvez, se tivessem sido embalados por um lançamento no cinema (há um livro “novo” no mercado, mas é assunto para outra resenha), ou houvesse propaganda intensa, ou quem sabe fossem vendidos em bancas, a situação fosse diferente.
Robert E. Howard se suicidou em 1936, aos 30 anos, e seus trabalhos já estão no domínio público. Se comparados com outros clássicos da literatura fantástica de mais popularidade, como O Senhor dos Anéis e Crônicas de Gelo e Fogo, possui características que foram replicadas em tais obras, porém muito mais a oferecer.
Há, com certeza, um potencial mercadológico enorme a ser explorado – sem contar que é tudo de uso livre, sem custos. Contudo, ao ver um filme como o que saiu neste ano (apesar de Jason Mamoa ter sido 10x mais Conan que Arnold Schwarzenegger), resta a pergunta: será algum dia esse potencial explorado devidamente?