Os Herdeiros dos Titãs narra o período decadente de uma civilização de quatro mil anos, que agoniza e desafia o tempo num sistema falido baseado nos desmandos de uma Rainha-Deusa e seus sacerdotes, ditos imortais.
Em De Lutas e Ideais, a primeira parte dessa aventura, somos apresentados ao drama familiar de Téoder, o maior herói de seu tempo, mas que foi levado a assassinar a própria esposa por ordem da Rainha, e Arion, seu filho, um líder revolucionário que tenta trazer de volta o velho modo de vida em sua cidade.
Contudo, conflitos sangrentos e tragédias o levam a meramente lutar para se manter vivo. E tudo o que ele temia, um reencontro com o pai, se torna cada vez mais iminente e necessário, trazendo à tona feridas antigas provocadas por um crime imperdoável.
Antes de mais nada, uma curiosidade: Musashi, sobrenome ou nickname? Qual a influencia do mais famoso samurai de todos os tempos em sua vida?
É nickname. Eu pensei em vários nomes de 2004 (quando concluí a dualogia Os Herdeiros dos Titãs) até 2010 (quando acertei a publicação), até que resolvi usar meu nome verdadeiro: Eric Henrique. A editora, porém, o julgou fraco, e sugeriu o meu endereço de e-mail, Eric Musashi.
A história de Musashi em minha vida é antiga, e posso dizer que a leitura do romance histórico de Eiji Yoshikawa sobre o samurai foi crucial para a escrita de Os Herdeiros dos Titãs.
O processo de criação e escrita são situações peculiares e variam muito de um autor para outro. Como é escrever para você? Exige algum preparo?
Exige. Para Os Herdeiros dos Titãs, houve um mês de preparo até que eu me lançasse à escrita, e muita coisa aconteceu naturalmente enquanto o livro era elaborado. A linha principal de eventos, contudo, foi mantida até o fim, bem como os objetivos traçados, que se revelarão mais fortemente na parte 2, A Mão do Destino.
Quanto mais escrevi, entretanto, mais me senti refém da preparação. Ainda era criação livre, tanto que mais de uma vez criei subtramas e modifiquei o rumo dos acontecimentos na metade dos livros. Não obstante, passei a levar meses, e até anos, maturando uma ideia para que se transformasse num romance.
Mais do que isso: a criação de cenários, filosofias, personagens e tramas se tornou uma paixão para mim, e escrever é a parte cansativa do processo, o trabalho duro.
Grabatal, o mundo onde a história é ambientada, apresenta um rico background com castas, religião, calendário, pontos cardeais, contagem de tempo e distâncias próprias. Quais foram suas inspirações para a criação deste cenário tão rico e detalhado?
A primeira inspiração foi o Japão Feudal visto no épico Musashi. Isso se vê na sociedade dividida em duas grandes camadas, de militares no topo, e civis na parte de baixo.
Como, contudo, é um romance especulativo, e falo de Atlântida, foi natural que me baseasse em muito do que se escreveu sobre o continente perdido. Jatitã, a antiga capital, é cercada de anéis d’água como nos diálogos de Platão, por exemplo.
Tentei ao máximo me desprender de tudo o que concebemos como civilização. Há elementos de várias épocas e culturas, deslocados até se tornarem incrustados no mundo atalai. A relativa liberdade das mulheres, os cultos antigos aos titãs (seres de luz, do significado original pelasgo) e aos Elementos, a maioridade com direito a novo nome aos 16 anos (duplo-dois), etc.
O mais curioso é que o cenário foi uma das coisas que mais chamou a atenção dos meus leitores, e eu, no fundo, o considero a minha ambientação menos original – até por ter sido a primeira. O reconhecimento me deixa orgulhoso, e ansioso por publicar minhas outras criações.
Os Herdeiros de Titãs é o primeiro de uma série de três livros. A exemplo de outras trilogias, existe uma mensagem ou idéia principal que toda a sua obra queira passar?
Na verdade, agora é dualogia, rs
Criei como um só livro, tomou proporções maiores que as planejadas, e a editora me convenceu a fazer como trilogia. Contudo, embora o primeiro livro tenha funcionado legal como introdução e fechado bem, houve um problema para fazer isso com o segundo, o que me levou a reformular certas coisas e reduzir certos eventos.
Teremos, em breve, A Mão do Destino, com algo entre 500 e 600 páginas, concluindo a narrativa.
Há diversas mensagens passadas em Os Herdeiros dos Titãs, e posso tomar duas como principais: a) a realidade palpável é um reflexo de nossas mentes, e não é rígida como pensamos, sendo, por outro lado, moldável de acordo com nossas crenças – ou a falta delas; e b) todos somos falhos, e planejar ou idealizar é apenas sonhar, nada mais do que isso.
Essa segunda mensagem, creio eu, é à que mais recorro na narrativa. Téoder fraquejando, o herói ideal que falhou e não soube como agir. E Arion, que se sente um idealista, recebendo um choque de realidade a todo momento.
Mesmo depois de sete anos, ainda me sinto feliz sobre como conduzi certas passagens, [spoiler] como ele de frente para Quetabel sem coragem de colocar a própria vida em risco, ou a cena do sacrifício.
Essas duas mensagens, independente das diferenças de filosofias e temáticas, acompanharam-me em meus livros ao longo dos últimos sete anos.
Você pretende lançar obras fora da mitologia criada em Grabatal? Ou mesmo dentro de outro estilo, já pensou sobre isso?
Dentro de outro estilo, já foi até escrito. Após concluir Herdeiros, resolvi criar algo minimalista em vários sentidos. Uma estória em que palavras e intrigas sejam mais poderosas que o brilho destrutivo da lâmina com sevaste, e em que os exércitos não passavam de centenas, como na Idade do Bronze. Disso surgiu Linara, ou O Filho da Serpente (ainda não decidi o título), em que, para resumir, o personagem principal é um clérigo prodígio do deus dos sussurros, que comumente é contratado para se infiltrar nas altas rodas e executar serviços que vão de assassinato a sedução, sabotagem e/ou furto de documentos.
O livro se passa 3 anos depois de Herdeiros nas margens do Mar Cáspio.
Escrevi outra dualogia no extremo oriente antes de voltar a Grabatal, o que se deu na trilogia A Montanha dos Titãs (2009), meu próximo lançamento após Herdeiros.
São todas obras concluídas e registradas na Biblioteca Nacional.
Desde então, venho me dedicando a contos, noveletas e novelas, todas ainda nesse universo, e tenho roteiros a serem executados.
Mas tenho vontade, sim, de escrever noutros mundos. Há um projeto de ficção científica a duas mãos com o escritor Alec Silva, e experimentei, neste 2011, escrever contos de zumbis nazistas (!!!) para uma antologia e brincadeiras invertendo a ordem causa-consequência para concorrer a uma coletânea de ficção científica.
Acredito que em tudo o que nós fazemos, existe um pouco de nós mesmos. Partindo deste pressuposto, quanto de Eric Musashi existe em Téoder e Arion?
Bastante. Mais em Téoder que em Arion.
A impulsividade de Arion, seu jeito verdadeiro de agir, ferindo os outros ao seu redor, tudo isso não sou eu. Estou mais para o Téoder que é sereno e, por vezes, omisso. Sem contar que sou canhoto, como ele.
Talvez por isso Téoder tenha roubado a cena em A Mão do Destino.
Das passagens de Arion, estou mais para Luredás.
Colocar rótulos é uma mania social. Geralmente histórias de fantasia são rotuladas como infanto-juvenil, mesmo as que têm cenas mais fortes e um caráter mais adulto. É freqüente encontrarmos A Guerra dos Tronos e Os Filhos de Hurim ao lado de Harry Potter e Percy Jackson nas livrarias. Que tipo de público sua obra busca?
É curiosa a pergunta, pois Os Herdeiros dos Titãs, principalmente este primeiro livro, oscila entre passagens pueris e passagens fortes e adultas. Talvez por eu ter 18 anos na época da escrita.
O desejo, no fundo, é encontrar um público. É uma dificuldade enorme para um escritor brasileiro, de fato. Escrevi como a estória surgiu para mim, e não pensando em que tipo de pessoa leria o meu livro. Escrevi unicamente para que ele seja lido, e creio que isso deve motivar o escritor. Se eu pudesse ganhar 1 centavo por livro, mas meu livro vendesse alguns milhões de cópias pelo mundo, eu seria feliz.
É o que ficará para a posteridade, e acho que Virgílio não ganhou muito dinheiro com a Eneida. Ele ganhou, pelo contrário, a amizade de Augusto, e o reconhecimento da História.
A internet é uma inegável maneira de promoção e constantemente auxilia a divulgação e o crescimento da literatura fantástica. O que você acha que ainda falta no Brasil para que um dos nossos autores conquistem um lugar ao lado de autores como J.R.R. Tolkien, Robert E. Howard, Michael Moorcock e R.R. Martin? Este dia chegará?
Paulo Coelho tem reconhecimento internacional, talvez mais que nacional. Não acho que seja o caminho escrever como ele – algo menos profundo e mais chamativo –, mas devia nos fazer pensar.
Antes de começar um livro, creio que o autor devia se fazer uma pergunta: o que isso acrescentará? Quando pensei em Herdeiros, mesmo que tivesse apenas 18 anos, imediatamente imaginei trazer uma nova visão sobre as virtudes, até que ponto podemos nos sentir confortáveis vestindo-as e como seria doloroso não suportarmos a verdade de que não as exibiremos o tempo todo.
Já li os quatro autores citados na pergunta, e, sinceramente, satisfiz-me totalmente com apenas um deles, Robert Ervin Howard. Conheci seus escritos de Conan em 2008 e, se há algum autor de fantasia com que me sentiria feliz de ser comparado, é ele. Um outro me satisfez parcialmente, mas reconheço sua proeza na época, que é o Tolkien. Dos outros dois, tive contato com virtudes, mas, colocando na balança, a sensação foi de tédio. Um, por falar de menos. O outro, por falar demais de coisas que já conhecemos à exaustão todos os dias no cinema, na TV, etc.
Por que fazem sucesso? Por que os autores brasileiros não fazem? O problema principal, a meu ver, é publicidade. Editoras investem centenas de milhares de reais comprando direitos de best-sellers gringos, sendo que podiam publicar e divulgar legal dez ou vinte livros nacionais com essa quantia.
Concluindo, acredito, sim, que o dia chegará. Olhares de fora já se voltam para o Brasil, e por diversos motivos – políticos, econômicos, etc. O lado bom é que isso também se reflete na literatura. Embora seja algo bem inicial, já há editoras norte-americanas e europeias promovendo antologias de contos brasileiros. Estou concorrendo a uma, aliás.
O mercado nacional de literatura fantástica também é bem prolífico, e, se há muitos livros publicados, aumenta, obviamente, a chance de ótimos livros surgirem nas livrarias. Para que tudo isso cresça a proporções geométricas só falta, creio eu, uma aposta maior das editoras em autores nacionais.
Que dica você daria para os que querem começar a escrever?
Se uma pessoa deseja começar a escrever, provavelmente é por ter algo a mostrar e a acrescentar. Então, é difícil dar conselhos sem cair no lugar-comum. É o que costumam dizer: em primeiro lugar, leia muito. Lendo, você não só aprenderá, como também porá à prova suas ideias. Será que aquilo que você achou genial já não foi explorado da mesma maneira por outro autor? Será que é imaturo, se comparado a uma obra clássica que aborde o mesmo tema?
E não se prenda a um gênero. Eu escrevo literatura fantástica, mais especificamente fantasia épica, porém minhas fontes de inspiração são várias, desde romances históricos a livros sobre máfia e ficção científica. Seja um curioso e leia o que aparecer pela frente: tratados de história, de psicologia, revistas de ciência, de pseudo-ciência, o que puder.
O segundo conselho, também óbvio, é: escreva. Só escrevendo para você se aprimorar, e, mais do que isso, encontrar seu próprio estilo. Amadurecer é algo contínuo e interminável, mas reconheço que descobri o autor Eric Musashi escrevendo Os Herdeiros dos Titãs. E no meio da escrita – o que me levou, há dois anos, a reescrever quase por completo De Lutas e Ideais, o primeiro livro, e a revisar bastante A Mão do Destino, que será publicado no fim do ano.
Por fim, um bom planejamento é sempre necessário. Deve haver um senso (e bem crítico) de propósito. Não escreva sem rumo, sem saber aonde vai chegar. Estabeleça metas, planeje cenas. E submeta à leitura crítica de outras pessoas – sobretudo, se puder, escritores. Saiba ouvir as críticas e encontre um jeito de melhorar o que puder ser melhorado.
Perguntas rápidas e respostas curtas:
Maior influência literária: James Clavell
Um livro que gostaria de ter escrito: Duna (Frank Herbert)
Em um bom livro de fantasia não pode faltar: Verossimilhança
A cena de batalha mais marcante: Abismo de Helm (O Senhor dos Anéis)
O personagem de fantasia marcante: Conan
O vilão de fantasia marcante: Darth Vader
Os Herdeiros dos Titãs em uma palavra: Humano