O conto abaixo, de autoria de Marcelo Rodrigues, Ygor Moraes Esteves da Silva, Julio Augusto Cezar Junior, Leonardo Nahoum Pache de Faria, narra um dos momentos mais críticos da história de Tagmar, quando os demonistas estiveram bem próximos de vencer a guerra e a esperança esmaecia lentamente a cada homem que tombava diante as turbas de demonistas bankids e os frutos de suas invocações profanas.
Este conto narra como um pequeno e destemido grupo, que mesmo cercados de demonistas tomam uma atitude desesperada, sacrificando suas vidas para darem esperança ao mundo. É um conto que demonstra todo o poder e terror dos diabolistas e como eles massacravam populações inteiras em nome de seus senhores infernais. Mas também é um conto que evoca a coragem e a determinação, e explica o surgimento d`O Mais Sábio, aquele que surgiu para dar esperança aos mortais….
Extratos do “Livro de Maudi”
(da cópia existente nos arquivos dos sacerdotes de Palier em Saravossa, Calco).
“No começo, na primeira pérola do cordão de existência, havia apenas as cores do caos e da energia bruta, seguindo a infinitude do para sempre, que era aquela primeira esfera, onde as luas contavam?se como todas e como nenhuma”.
Ouvíamos aquelas palavras pela terceira vez desde a fuga do acampamento bankdi ? os mesmos versos imutáveis, iguais tons de voz e ênfase, que acrescentavam a todo aquele inferno, labaredas e labaredas.
Puxei a bata do velho pela segunda vez, o som da voz treme e pára finalmente, quando o corpo ferido e trespassado por flechas negras despenca sobre meus braços doloridos. Arrasto?o para longe das janelas, onde ele diz ver multidões de seus fiéis. Pobre e senil criatura! As setas zunem sem complacência nos ouvidos, varando a janela e aterrissando alquebradas entre nossos pés. Aldrabar percorre o chão de escombros da torre em busca de projéteis perfeitos. Temo que nossas aljavas não bastem para toda a fuga…
? Uma massa vindo do sul!!! ? o som vem dos andares superiores. O mago Petas nos grita dependurado da janela mais alta ? Os Bankdis convocaram suas legiões de demônios! ? se solta com uma respiração curta, perfazendo cambalhotas e aterrissando entre vagas de escombros e flechas partidas ? A Frente está a duzentos uktos daqui, mas os batedores já se encontram bem à frente. ? Ergue?se o corpo magro e com ele as vozes – Escondam?vos que um encanto se faz preciso!!!
Aldrabar se junta ao chão, o rosto fino comendo a poeira secular, e continua a afastar o lixo e as coisas quebradas, revelando mais flechas e desenhos estranhos no chão. Puxo o velho pela manga suja e nos colocoem proteção. Quando Petasinicia o encanto, fluidos místicos percorrem o salão, anunciando a força que virá. A voz imutável desperta novamente.
“Mas houve o fim da primeira pérola, e com ele, a separação de caos e energia. Eram formados os reinos inferiores e os materiais, e em pouco tempo a sapiência manifestou-se em ambos”.
“As emanações do caos indômito, destruidor, deram origem aos seres infernais, Demônio, contemporâneos dos igualmente temidos Titãs, oriundos da consciência e emanações das forças elementais existentes nos reinos da matéria. Os seres titânicos eram treze, e chamavam a si mesmos de Treva, Luz, Água, Terra, Fogo, Ar, Crônus, Crio, Ânimus, Étere, Maná, Entropia e Gênese”.
O ancião se cala de repente, e então, as forças do encanto de Petas atingem seu nível máximo. O vento rodopia pela Torre, vai desenhando poeira sobre nossos olhos sofridos, urrando profanações. Sentimos todos um frio brusco, quando o encanto parte em direção ao inimigo, cavalgando luz de ossos e fogos?fátuos. Um frio de morte e de negrura. De magia…
? Negra… ? meus olhos se esbugalham e eu corro para Petas, tentando fazer com que inverta o encanto ? Você está usando magia negra! Estamos em missão sagrada, você não deve…
Minhas pernas enrijecem e minha corrida pára. Malditos fazedores de milagres… Petas me transforma em uma meia?estátua e eu posso apenas respirar. O céu lá fora escurece e o ar assobia palavras malditas. As flechas que entram pela janela agora se cravam nas paredes e exalam cheiros podres. Veneno bankdi.
? O que está… maldição, Petas! A torre está tremendo!!! Aldrabar grita como se tivesse três pulmões. Petas abandona a posição conjuratória e me liberta da paralisia.
? Está feito! ?sua voz nunca esteve tão consumida ? Metade dos demônios e hordas foi banida. Mandei?os para os níveis mais inferiores do Caos Infernal.
? Idiota… ? minha voz tentava controlar a raiva ardente ? Sabe que estamos escoltando um homem santo. Quer trazer a ira de seu deus sobre as nossas cabeças, é isso que quer? Você e essa magia podre?
? Você sabe que não temos escolha!!! ? A voz, a garganta, os pulmões, tudo parecia fraco. Um fio de sangue escorria dos ouvidos do mago ? A seita Bankdi é muito mais do que pensamos que fosse quando aceitamos o trabalho. Há! ? esfregou as mãos nas têmporas e orelhas e ficou um pouco a rir para os dedos vermelhos ? Nos disseram “um pequeno grupo de fanáticos que quer erradicar com todas as religiões mais antigas”, “uma meia?dúzia de dois”, “poder nenhum…” ? cuspiu para o lado. O sangramento aumenta. ? Li a mente de um deles quando estava lá no alto, na janela. A Moldânia Superior já não conhece mais os antigos ritos. Todos os cultos derivados da história antiga estão esquecidos. Malim ? apontou o velho ? é um homem santo, sim. O último que vive, representante da adoração ancestral. E nós estamos carregando?o por planícies de demônios e venenos, de forças que podem nos esmagar!
Calou nesse ponto e eu também não disse nada. Petas tinha toda a razão. Carregávamos a história do mundo conosco, de um mundo que queria esquecer essa história.
“Depois de pérolas e mais pérolas de infinito horizonte, mudanças vieram: a descendência dos Titãs deu Deuses ao Universo, que teimaram em se unir às criaturas dos reinos baixos, dando origem aos Titãs-segundos. Houve nessa época a Primeira Discórdia, quando Deuses e Titãs-segundos juntaram forças contra seus criadores, instáveis e catastróficas demais. Foi o início da Lei”.
Malim falou essas palavras e caiu para o lado, como que adormecido, e no ar ficara o peso das palavras. Pensei em quanta coisa podia se perder, com a morte daquele homem.
Aldrabar interrompeu pensamentos com gritos irracionais.
? Na janela!!! Bankdis na janela!!!
Em poucos instantes eles eram muitos e pareciam vir em hordas, escalando os muros altos da torre e se arremessando da janela sobre nós. Minha espada refletiu meus dentes secos e corpos bankdi começaram a ganhar o chão.
? Petas, a janela! Você tem que tentar fechar a janela! ? alternava inspirações e golpes decepadores. Belador cintilava azul pungente, excitada, enquanto cortava carne inimiga como se não precisasse de meu braço . Aldrabar refugiava?se com o velho atrás de uma pilastra caída, retomando as setas recolhidas aos seus antigos donos.
? Lá vai! ? o aviso chega atrasado e meu corpo quase chega a ir com o vento que se forma. Grandes escombros levantam?se do chão da torre e vão se amontoar na janela agora vermelha, a enorme profusão de membros partidos que vão ficar ali para sempre.
O vento cessa, e eu conto cinco golpes e duas flechas antes que o salão esteja livre de vida inimiga. Petas cambaleia por entre os corpos.
? A barreira não vai… agüentar muito! ? esforço, mais sangue, ouvidos vermelhos – Meu Deus! Tanto vermelho não!!! ? Temos que… dar um jeito de sair! ? seguro?o pelo ombro, deixo?o sentado enquanto averiguo Aldrabar e o velho.
A torre, então, treme de novo, cascalhos caem do teto e das rochas presas à janela. Petas chora, tudo parece mais negro.
Aldrabar grita.
? Um alçapão! ? vejo?o revirar mais poeira ? Maudi, venha, cá! Tem um alçapão aqui, rapaz!Atravesso o salão tentando não notar o chão trêmulo, o medo incipiente, os cadáveres que parecem chamar reforços. Colocamos pesos e pesos de madeira e destroços de lado, e a esperança parece reacender nos olhos quando vislumbramos a tal porta no chão. Petas se aproxima quase a se arrastar.
– É… uma saída, mesmo?
– Não sabemos ainda. ? forço o grande puxador de metal para cima. ? Aldrabar, me ajude aqui.
Puxamos e puxamos até quase o corpo estalar, o ferro gemendo e resistindo mais que os músculos, até que a vontade e o desespero tomam frente e o portal cede, caindo de lado e revelando as entranhas da terra para nós, um túnel rochoso que se estende indefinidamente a partir de alguns poucos degraus que servem de entrada. Sinto gelo na alma, no corpo. O ar que me bafeja o rosto é antigo, milenar, talvez nunca respirado, e eu sinto arrepios ao pensar em maldições e lugares que não se deve nunca, NUNCA, profanar. Recuei.
– Não podemos ter medo, Maudi. Não podemos. ? Petas passa por mim cambaleante, vencendo os primeiros degraus em direção ao inferno escuro e desconhecido. Aldrabar carrega Malin e repete os mesmos passos de coragem.
E eu… eu. Por todos os Deuses, tudo o que posso fazer eu faço. E os sigo.
? Vocês… abaixem a cabeça. ? Petas fala a Aldrabar e Malin. Alcanço o alçapão com as mãos e retorno ao seu lugar, acabando com a única luz que possuíamos. Petas dirige?se a mim, agora.
? Você também, Maudi. ? tosse rouca, sente respingos quentes no pescoço. Visco, pode apostar, vermelho. ? Vou selar o alçapão com magia e disfarçá?lo o melhor possível. Mas teremos de nos mover depressa. Com esse encanto feito, o da janela será automaticamente desfeito. É a ordem das malditas coisas.
Encolhi?me junto à parede úmida, cheirando o musgo como se fosse pele de mulher. Refreei vômitos. Petas sussurra “Agora!” e o alçapão parece tentar se amassar sobre nós. Eles terão que cavar ao redor para nos pegar.
? Vamos… rápido! ? o barulho das pedras chega até nós, caindo sobre o salão da janela com um ribombar que lembra as piores tempestades. Os gritos animalescos de demônios e coisas piores gelam o ar e a alma. Somos puro medo.
Avançamos durante mais tempo que consigo lembrar. Malim parece ausente. Recomeça a falar como se estivesse numa grande praça tranqüila.
“Alguns dos Titãs fugiram, então, para além da Lei e do Caos, formando os Reinos Elementais de Aqua, Terra, Fogo e Ar, tendo Étere a ocupar o vazio entre eles.
Outros, em sua tentativa de fuga, juntaram?se ao novo Universo material. Este foi o destino de Ânimus, Maná, Entropia, Crio e Crônus. Poucos foram, ainda, capturados e subjugados: Treva e Luz eram eles.
De Gênese, nada se sabe; nem verdades nem lendas. Os Deuses instalaram-se nos reinos materiais, criando leis em meio ao caos. Dos Titãs?segundos, sabe?se apenas que vagam pelas dimensões, percorrendo todas as pérolas do Mundo sem motivo que nos seja permitido saber”.
A terra então principiou a cair sobre nós. Era chuva barrenta, bocados caíam aos montes, como se criaturas enfiassem garras por cima de nós, na tentativa de nos tirar a vida. Petas parou, fazendo com que ficássemos todos juntos, um bolo de carne medrosa, esperançosa de uma morte rápida.
? Amigos… a morte se aproxima. ? Petas não falava nem baixo nem com cuidado. Como se já não houvesse mais necessidade de fugas e esconderijos. – Não espero que acreditem no que vou dizer, nem que atendam meu pedido. ? o teto caía em profusão, rochas, musgo, raízes de árvores perdidas em uma terra qualquer que não podíamos ver. O medo caminhava maior. Posso sentir a presença do Mal sobre nós, posso contá?lo em mais de dois mil inimigos.
Não há fuga possível, não como tentamos fazer agora. ? pareceu falar mais alto ? Escutem!
Só temos chance na magia antiga, na magia ancestral que nem mesmo os mais poderosos magos se atrevem a usar. Meu corpo gelava e eu cuspia terra e queria sair dali. Mas o Mal era quase visível, a morte nos acompanhava mais de perto a cada respiração. Nós três, Petas, eu e Aldrabar fizemos apenas silêncio durante aquele pouco tempo que intercalou tais propostas desesperadas. Era uma concordância. Tentaríamos o que quer que fosse para nos tirar dali ? Você será o recipiente do encanto, Maudi. Tem o único corpo resistente o suficiente para agüentar a… magia.
? Não entendo…
? Sairemos todos daqui Aldrabar, mas só em espírito. Seremos quatro almas a ocupar o corpo de Maudi. Nossas carcaças serão abandonadas aqui enquanto a magia transportará um único corpo através das dimensões até um lugar seguro, focalizou a voz ? Pode ser a sua casa, Maudi.
Não respondi. Nem mesmo poderia. Era um absurdo enorme tudo aquilo. E ao mesmo tempo, estávamos numa posição em que acreditaríamos até nas palavras de cachorros. Falei “sim”. Aldrabar gemeu tão alto que ouvimos ecos vezes e vezes.
? É a nossa única chance! – Petas tremia sua voz. ? Juntem as mãos!!! ? ele gritava, sobrepondo?se aos outros gritos que agora enchiam o túnel por detrás de nós e que pareciam avançar; sem parar, dentes trincados, garras, sedentos.
Os demônios precipitaram?se sobre nós mesmo perto das últimas conjurações. O mundo já era uma visão quádrupla, quatro corpos, quatro mentes, e pude sentir quando as garras penetraram nos corpos quase vazios, momentos antes de partirmos na caravela de carne que antes foi o corpo de um homem chamado Maudi.
Não… devo manter?me separado enquanto escrevo esses passados. Devo ser Maudi, pelo menos enquanto traço essa história desconhecida de meu povo, a Verdade que deve um dia ser dita. Já se vão cinqüenta anos na esteira do tempo, desde os acontecimentos que narrei nestas folhas amareladas. A seita Bankdi já praticamente não existe mais, e as pessoas do mundo material seguem um Deus humano, reverenciável por ser sábio, mais sábio do que algum homem alguma vez já foi. Devo encerrar por enquanto esses escritos, retomar a eles quando outras coisas aflorarem e tiverem por direito de serem expurgadas, imortalizadas em papel para a história um dia poder ser dita, inteira e em sua total verdade. Por enquanto, urge que o mundo desfrute de uma paz que só um homem incomum poderia conquistar.
Um homem que é quatro… e UM.
Maudi, Aldrabar, Petas e Malim.
UM.
Tagmar (pronuncia-se Tágmar) é o nome com que foi batizado o mundo terreno criado pelos Deuses no Primeiro Ciclo (ver seção mais à frente). Dotado de atmosfera, vida animal e vegetal semelhantes às da Terra, Tagmar também gira em torno de um sol amarelo, e possui, como o nosso planeta, mais água do que terra firme em sua superfície. Embora dotado de muitos continentes e porções de terra, neste livro trataremos apenas da parte oriental de um único continente, que é por seus habitantes considerado como “O Mundo Conhecido”, ou simplesmente “O Mundo”.
Tagmar é uma terra que conhece a magia, não como a fantasia ficcional e mística que conhecemos em nosso mundo, mas como realidade nua e crua, que pode vir como ameaça dos dedos flamejantes de um viajante desconhecido, bem como das entranhas de monstros inexplicáveis, ou como uma luz curativa, uma força construtora e aliada nos percalços que surgirão sempre nessa terra selvagem. Pessoas podem, subitamente, morrer envolvidas por relâmpagos surgidos de um mero estalar de dedos, ou voltar da morte, como milagres recontados.
O cenário do Tagmar segue a linha Tolkieniana, ambientada em uma terra de fantásticas raças, poderosas criaturas e incríveis magias, com suas histórias, folclores e lendas. Seu desenvolvimento é baseado na Idade Média européia, embora contenha elementos de diversas épocas e culturas, anteriores e posteriores, o que traz uma maior diversificação e possibilidades para aventuras. O cenário de Tagmar apresenta um mundo diferente de muitos outros RPGs, um mundo repleto de realismo.
Tagmar não possui a mesma profusão de magias que ocorre em outros cenários. Não existem barcos voadores, ilhas ou castelos flutuando sobre nossas cabeças. Em Tagmar, itens mágicos são raros e dificílimos de se encontrar, além de cada um possuir sua própria história, sua própria lenda. Fato que os transforma em objetos únicos, e passa ao mundo uma maior verossimilhança, uma sensação de realismo e abre um leque de infinitas possibilidades para aventuras. Não há em Tagmar uma mistura incoerente de raças. As culturas selvagens são tratadas como tal, e vice-versa.
Tagmar é um mundo cheio de mistérios. Todos os textos de ambientação estão repletos de ganchos, lacunas e locais fantásticos, que dão inúmeras oportunidades aos mestres desenvolverem suas aventuras. A proposta da ambientação é deixar os mestres de jogo livre para criação, dando o máximo de sugestões e idéias para inúmeras aventuras.
Em Tagmar os reinos foram todos bem detalhados. O Livro dos Reinos possui cerca de 150 páginas, descrevendo as principais informações de cada região, como história, governo, cidades, intrigas e rumores, mapas, brasões etc. Tudo o que os jogadores precisam saber sobre o mundo no qual farão história com seus personagens. Mas o nível de detalhamento foi balanceado para que não fosse exageradamente detalhado (que mataria a criatividade e oportunidades) e nem simplista de mais (o que forçaria o mestre a criar tudo).
No entanto, apesar de tudo isso, talvez a maior riqueza que o mundo de Tagmar possa ter e que mantém a fidelidade de inúmeros jogadores das mais variadas faixas-etárias, seja o fato de que, em Tagmar, os personagens dos jogadores é que são os heróis. No Tagmar, todos os grandes heróis são do passado, e o papel dos novos heróis cabe aos personagens dos jogadores. Não existem aqueles PdMs poderosos que todos idolatram. Isto permite colocar os aventureiros como os protagonistas e não como meros coadjuvantes. Em Tagmar, os personagens dos jogadores são os únicos e verdadeiros heróis, aqueles cujos nomes todos conhecerão e respeitarão, responsáveis por façanhas dignas de ecoar por toda a história. Os verdadeiros astros do jogo.