Temos mais em comum com povos que viveram na antiguidade do que imaginamos. Apesar das incontáveis eras que nos separam, o eco da existência destes povos ressoa em nossa essência e em nossos hábitos até os dias de hoje.
Podemos não saber muito sobre suas crenças, anseios e o que realmente acontecia no dia-a-dia das pessoas comuns há milhares de anos atrás, mas de uma coisa temos plena certeza: eles também jogavam!
O jogo de tabuleiro Senet era tão popular e importante no antigo Egito que o Faraó Reny Seneb foi sepultado com um deles. E antes dele, seus ancestrais já jogavam Senet e Mehen há incontáveis gerações.
Enquanto nos túmulos reais são encontrados luxuosos tabuleiros de Senet e Mehen, nos túmulos das pessoas comuns são encontradas versões mais simples e humildes destes mesmos jogos. Nobres e pessoas comuns, todos compartilhavam deste mesmo gosto pelos jogos.
Os romanos, tão distantes no tempo, mas tão parecidos com o que somos hoje, também eram apostadores inveterados do Duodecim Scripta, um jogo que provavelmente se desenvolveu a partir do Senet. E amavam o seu Astragaloi, jogo que eu, descendente de italianos aprendi com a minha família, muitos e muitos séculos depois.
Outro exemplo é o Chaturanga, jogado na Índia desde o século VI, antes de evoluir para o Xadrez alguns séculos depois. O tabuleiro e a maioria peças são as mesmas do Xadrez e embora as regras originais tenham se perdido (da mesma forma que aconteceu com o Senet) todos os elementos do Xadrez moderno estão ali: nada de fatores aleatórios, estratégia pura e complexidade quase infinita.
Todas as culturas desenvolvidas praticavam alguma forma de jogo. Geralmente, esta prática era um indicativo de estabilidade, organização e altos níveis sociais e culturais.
Olhando para o passado da humanidade e para os seus jogos, encontramos uma predisposição universal ao lúdico. É como se os seres humanos fossem programados para jogar, para se sentirem recompensados por estes desafios interativos.
Como esta pré-disposição nasceu e se desenvolveu? Da mesma forma que a religião, com os quais são frequentemente relacionados em culturas antigas, os jogos surgiram e se desenvolveram juntamente com a humanidade.
Um dos fatores chave para este desenvolvimento foi a forma como nos alimentamos. Nas comunidades primitivas, quando os homens ainda viviam ao ar livre em tribos nômades, a humanidade praticava atividades coletoras de subsistência. Dependiam da caça, da pesca e da coleta, pois ainda não haviam aprendido a produzir alimentos.
Não temos registros históricos claros e precisos deste período, mas da mesma forma que ocorre até os dias de hoje em comunidades indígenas brasileiras, a ludicidade nestas comunidades era essencialmente física.
Os jogos serviam como preparação para as atividades de caça e pesca ou de embates que viriam a ocorrer com outras tribos ou em eventuais encontros com animais selvagens. E assim como viria a acontecer com os jogos de tabuleiro, geralmente estas atividades se misturavam com ritos de passagem religiosos.
A liderança natural da tribo era exercida pelo mais forte. O conhecimento e as experiências adquiridas eram transmitidos coletivamente e incorporados à tradição comunitária, como por exemplo, as melhores estações de caça, a distinção entre plantas e a observação das fases da lua.
Como viviam em constante movimento, literalmente estes grupos possuíam somente o que pudessem carregar. Não existia o conceito de bem individual, tudo era da comunidade e a vida girava em torno da coletividade.
O fim da última da Era Glacial permitiu o aparecimento de novos tipos de comunidades. Trabalhando com a natureza, ao invés de somente explorá-la, essas comunidades concretizaram a Revolução Agrícola do período Neolítico.
Com isso, pela primeira vez em nossa história, a raça humana passou a acumular bens e desenvolver especialidades que anteriormente não eram possíveis, em virtude da vida nômade.
Não havia mais a necessidade de se viver em constante movimento, a fartura e a estabilidade possibilitadas pela agricultura permitiram que a sociedade se desenvolvesse e se desenvolvesse em vários aspectos, como na escrita, religião e nos jogos!
Os jogos físicos certamente sobreviveram e continuaram a ser praticados, mas ao longo dos séculos a estabilidade propiciou o surgimento de de maior complexidade, com tabuleiros, componentes e posteriormente, com dados – eficientemente difundidos pelos romanos através de todo o seu império.
Séculos mais tarde, o início da impressão mecânica difundiu de maneira irreversível os jogos de cartas, tabuleiro e posteriormente os de estratégia. Com o advento da eletricidade, surgiram os jogos eletrônicos e posteriormente, os videogames. E ao juntar um pouco de tudo isso, surgiu o RPG!
A cada nova tecnologia, lá estão os jogos, insistentemente caminhando ao nosso lado juntamente com a nossa necessidade de interação e competição.
Enfim, jogamos por que somos humanos, somos lúdicos e também, porque este hábito já esta incrustado em nossa essência há muito, muito tempo…
Uma resposta para “A Origem dos Jogos de Tabuleiro”