Responda rápido:
– RPG de Fantasia surgido na metade da década de 70 e que é publicado até os dias de hoje?
– Possui o nome com a seguinte estrutura: “Local & Criatura”?
– Recentemente ganhou uma nova edição?
Sua resposta foi Dungeons & Dragons? Nada disso, estamos falando de Tunnels & Trolls!
Tunnels & Trolls foi lançado nos EUA em 1975, menos de um ano depois do lançamento de Dungeons & Dragons. Desde então ganhou versões em alemão, francês, espanhol, finlandês e japonês. Na grande maioria das vezes estreou no mercado destes países antes mesmo do que o Dungeons & Dragons.
Kent St. Andre, o seu criador, pode ser considerado um visionário. Indo completamente na contramão do que viria a ser estabelecido naquela época, criou um RPG fácil de jogar e que não precisava de constantes referências a livros de regras cada vez maiores, mais caros e muitas vezes incompatíveis e contraditórios entre si.
Kent St. André portou todo o seu sistema em um único livro, que continha tudo o que fosse realmente necessário para jogar. Com isto, enquanto War Gamers da década de 70 em geral se interessavam por D&D, os jogadores que não estavam tão preocupados em simulações de combate tático optavam pelo T&T.
Porém não se engane: Um sistema leve e fácil de jogar não deve ser confundido com um sistema simplista. A prova disto é que Tunnels & Trolls introduziu diversas inovações no mundo dos Role Play Games:
– Muito antes da ascensão e queda do movimento d20, St. André baseou seu sistema em torno de um único tipo de dado, o de seis faces. Fáceis de encontrar (mesmo nos anos 70) e disponíveis para serem emprestados de praticamente qualquer jogo de tabuleiro, tornavam mais simples a vida de mestres e jogadores.
– Criou o gênero das aventuras solo e estabeleceu o padrão para todos os livros que se seguiram dos anos 70 até hoje. Como os livros-jogos utilizam o mesmo sistema de regras do RPG, podem ser usados sem nenhum problema para desenvolver o seu personagem.
– Interpretação em primeiro lugar: Seu personagem quer fazer algo intrépido, sagaz ou audacioso? Tudo bem. Ao invés de encarar tabelas e inúmeros testes, simplesmente converse com o mestre sobre isso, role contra o atributo apropriado e siga em frente.
– Tunnels & Trolls possibilitou pela primeira vez a criação de uma vasta gama de personagens não humanos, criou o conceito de “Armor” que absorve o dano ao invés de fazer o personagem ser mais difícil de ser atingido e magia utilizando um sistema de pontos.
– Com um sistema de combate focado no grupo e não no indivíduo, foi o primeiro RPG a utilizar o conceito de “Dice Pool”. Neste sistema os lados envolvidos no combate rolam os seus dados, somam os dados e o lado com o maior resultado vence. O lado perdedor sofre dano baseado na diferença entre os dois totais (com o devido ajuste das armaduras) e pode então decidir quem vai receber este dano. Com isso quem consegue suportar o dano, pode recebê-lo e poupar os demais membros da equipe.
– Foi o criador do conceito de Saving Throws, que definem se o personagem pode resistir ou não a efeitos específicos. Diferente dos “outros” Saving Throws, onde uma tabela dita se o personagem obtém sucesso ou não, em Tunnels & Trolls ele é genericista e baseado em um dos status do personagem, servindo para resolver praticamente tudo que não envolva combate.
E com todas estas inovações e pioneirismo, como a maioria dos Rpgistas nunca ouviu falar de T&T em terras Tupiniquins?
Talvez a resposta esteja no ideal que deu origem ao sistema, segundo as palavras do seu próprio criador:
“Em abril de 1975 quando sentei-me para escrever um conjunto de regras para jogos de fantasia em reação a (ao que me parecia) um excessivamente complexo e caro bem conhecido jogo de fantasia, eu não fazia idéia de que as coisas seguiriam este caminho. Eu somente queria algo para jogar com meus amigos, a um preço razoável, com equipamentos razoáveis. Parece que outros também queriam isso.”
Quase todo jogador deve ser capaz de reconhecer que muitas editoras sacrificam a qualidade das suas publicações em detrimento ao lucro: complementos inúteis que não agregam nada ao universo do sistema, acúmulo e sobreposição de regras, novas edições que tornam todo o material das anteriores inútil, péssimos arcos de história ou simplesmente idéias ruins.
Tunnels & Trolls nunca passou por nada disso. Nos anos 70, quando ele realmente fazia frente com o D&D, teria sido fácil lançar complementos com cenários de campanha, aumentar o número de classes (em T&T são somente duas) e lançar um novo livro para cada uma delas, livros de magia, criaturas e armas. Quem sabe até um AT&T?
Mas não foi este o caminho que Ken St. Andre quis dar ao seu RPG. Ele desenvolveu um sistema sólido, onde tudo o que se precisa para jogar deve estar um único livro e se manteve fiel a este princípio ao longo dos seus 35 anos de existência.
Porém, o mercado impõe um calendário de lançamentos para encher a prateleira das lojas e esvaziar o bolso dos jogadores de tempos em tempos, e agir de forma contrária ao padrão estabelecido tem suas conseqüências.
Apesar da sólida base de fãs, esta atitude foi a responsável por Tunnel & Trools sair dos holofotes e se transformar em um RPG quase “underground”.
Em 1999, a revista Pyramid nomeou Tunnels & Trolls como um dos jogos mais subestimados do Milênio. O editor Scott Haring disse do jogo: “todo mundo sabe que este foi o segundo RPG de fantasia lançado, mas rejeitá-lo como apenas mais um plágio oportunista é grosseiramente injusto…”
Mas aparentemente Ken St. André não se incomoda muito com isso. Ele ainda mantém contato direto com os jogadores através do seu site: http://www.trollhalla.com/ e é presença constante em convenções e encontros. Participa ativamente do todo o processo de criação das novas edições lançadas e tem o cuidado que cada uma delas mantenha a idéia original do jogo e seja compatível com as anteriores.
E desde a primeira edição de T&T, ele deixou claro que este é o seu jogo e deve ser jogado à sua maneira. E grande parte da diversão esta justamente em moldar o sistema de acordo com a sua imaginação.
E no fim das contas, creio que esta seja a principal contribuição de Tunnels & Trolls para o mundo do RPG: ter mostrado aos jogadores da época que eles mesmos poderiam criar os seus próprios mundos e sistemas e que RPG era mais do que somente Dungeons & Dragons.
Greg Stafford, co-autor de Runequest, fez a seguinte dedicatória: “Para Dave Arneson e Gary Gygax, que abriram a caixa de Pandora, e a Ken St. Andre, que achou que ela poderia ser aberta novamente.”
Recomendo, se o idioma inglês lhe permitir, experimentar a seguinte aventura solo disponível gratuitamente aqui:
http://rpg.drivethrustuff.com/product_info.php?products_id=54407
muito manera a matéria sempre ouvi falar e tinha curiosidade pra saber de tunels e trols. Tem algum grupo que jogue aqui em SP? Queria muito jogar uma campanha de T&T.
Fiz intercâmbio nos EUA no final dos anos 80. Posso dizer as aventuras solo de T&T me pouparam de muitas horas de solidão. Bons tempo aqueles!